Fernanda Soares
Fernanda Soares

01/12/2014, 13h


A reunião da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas, que está acontecendo no Rio de Janeiro, teve início na manhã de sexta-feira (28) com a mesa de conjuntura. Os professores universitários Marina Barbosa (Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF) e Rui Braga (Universidade São Paulo – USP) apresentaram em suas exposições ricos elementos para contribuir no debate sobre a situação nacional. Análises desde as manifestações de 2013 e os significados e perspectivas do novo governo de Dilma Rousseff em meio a crise econômica mundial são base para a Central discutir as políticas de atuação para o próximo período.   Rui analisou a situação brasileira a partir das grandes mobilizações de junho de 2013, as lutas dos trabalhadores e movimentos sociais e a reeleição de Dilma Rousseff.   O professor apontou os quatro pilares do governo Dilma que não diferenciaria de um governo do PSDB. “O setor finanças centralizado pelos banqueiros; o agronegócio, que se impõe sobre os pequenos agricultores; a construção civil, que obriga o deslocamento de populações urbanas para periferias; e o da energia, fundamentalmente, o petróleo”.   Diante avaliou que não há uma polarização entre setores progressistas e conservadores. Há uma polarização, mas sim para disputar quem dirige um projeto que economicamente é o mesmo.   Para enfrentar essa situação, defendeu que se observe os novos movimentos sociais urbanos, fortalecendo essas mobilizações com as lutas dos trabalhadores.   Segundo Rui, o que os trabalhadores brasileiros enfrentarão no próximo período tem muito a ver com a dinâmica da crise que se aprofunda nos países do sul da Europa. “A crise pela qual passam os países do sul europeu e as medidas de austeridade que vem sendo implementadas por seus governos para um futuro imediato vão determinar as políticas aplicadas pelo governo brasileiro”, disse, acreditando que o governo brasileiro imporá um período de ataques aos trabalhadores dando um significativo giro à direita.   Marina partiu dos elementos apresentados por Rui e adendou tópicos da situação internacional para compreender a conjuntura atual. Entre eles apontou como fundamental a crise pela qual passa o capitalismo, que em sua opinião se aprofunda e se agudiza, mas é necessário avaliar se tem fôlego ou não e em que perspectiva tem para esse processo. No contexto dessa crise apontou ainda o papel de subalternidade vivido pelos países que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) quando se constituem enquanto bloco econômico e o crescente papel da China na economia mundial.   A professora chamou atenção para o momento. “Há aspectos visíveis, mas também reveladores, nesse mundo tão moderno que vivemos hoje, ele é nutrido pelo o que há de mais arcaico”, disse, exemplificando com a precarização do trabalho, a superexploração, que culmina inclusive com o trabalho escravo.   Marina busca entender a conjuntura dentro dessa perspectiva e pensar como os trabalhadores se inserem nesse contexto. Foram elencados os elementos que caracterizam centralmente as motivações das lutas que estão ocorrendo tais como a questão dos serviços públicos, da saúde, educação, transporte e moradia, assim como salários e direitos dos trabalhadores. Para compreender tal processo seria preciso entender também a composição dessas lutas para buscar um projeto unitário, ainda muito incipiente segundo a professora.   Também baseado nessa composição e nas reivindicações mais sentidas, Marina defendeu que a Central deve elaborar um programa que reflita essa realidade atual e os envolvidos nessa luta.   Defendeu que se retome com intensidade a unidade em torno do movimento classista para que se mobilize novamente a classe em momento vivido por tantos ataques à classe trabalhadora.   Após a exposição dos convidados, à luz dos elementos que apresentaram para enriquecer o debate, houve cerca de quarenta intervenções em plenário para que a Coordenação possa compreender como se dá a situação e lutas locais dos trabalhadores e, assim, avançar numa resolução de conjuntura que deve ser votada no domingo.   Mesa discute uso dos recursos naturais sob regime de lucro máximo   por Rodrigo Barrenechea, especial para a CSP-Conlutas   Nesta parte da tarde aconteceu o debate sobre o uso dos três mais importantes recursos naturais no Brasil: água, minério e petróleo. Riquezas fundamentais cuja capacidade de recuperação é limitada, como a água, ou são finitas, como os minérios e o petróleo. Os três recursos são regulados pelo Estado, mas tem importantes interesses econômicos por parte de grandes empresas. Algumas são estatais, como a Petrobrás, outras foram privatizadas, como a Vale, e ainda outras são grandes empresas nacionais e multinacionais, como as mineradoras, as petrolíferas, as empresas de saneamento e as empreiteiras. Para discutir o tema, a CSP-Conlutas convidou Marzini Pereira, do Comitê Estadual de Água de São Paulo, Waldemir Soares do Comitê dos Territórios contra a Mineração, e André Bucareski do Sindipetro RJ.   Marzini apontou a importância de incorporar as questões ambientais à discussão política da classe trabalhadora. Reforçou como o país é rico em água (cerca de 16% das reservas mundiais), apesar de importantes reservas de água, como o rio São Francisco, estarem secando. “Isso se deve, especialmente, ao excessivo consumo da agricultura de exportação – soja, eucalipto, pastagens etc, que gasta água em excesso”, chamou atenção.   Uma outra causa do agravamento do problema da água é o aumento da fronteira agrícola, por meio do desmatamento, pois diminui a evaporação da massa de ar úmido, que regula o regime de chuvas no país. Ou seja, o desflorestamento também gera a seca.   Falando sobre a crise hídrica de São Paulo, Marzini lembrou que os problemas começaram em 2003, quando o sistema Cantareira chegou a ter apenas 1,6% de sua capacidade. Isso se deu sob a administração do PSDB, portanto não é uma novidade. Neste momento, a situação é tão grave, que “se chover muito, vai faltar água. Se chover na média, a água acaba em abril. Se chover como em 2013, aí acaba em janeiro”, alertou.   Além dos aspectos mais sentidos que essa crise da água traz à população, há os que estão implícitos. “Uma consequência é o aumento do preço dos alimentos, o que pune especialmente os trabalhadores”, ressaltou.   Marzini afirmou ainda que a atual política de gestão do saneamento da água é privatista, dessa forma, por funcionar de acordo com a lógica do não há uma política efetiva para solucionar a crise, o que agrava a crise.   O problema da água, segundo o palestrante, pode provocar uma onda de protestos espontâneos nas regiões mais afetadas. “Esses protestos precisam ser apoiados vigorosamente pelos movimentos sociais e precisamos exigir em cada um deles a estatização imediata das empresas de saneamento, sem indenização e sob controle dos trabalhadores e da população”, finalizou.   Waldemir, do Comitê dos Territórios Contra a Mineração, fez um rápido comentário sobre a questão da água. “A atividade mineradora, apenas no duto de ferro que liga Conceição do Mato Dentro, em Minas, até o Rio de Janeiro, consome 2,5 milhões de litros de água por hora. Ou seja, a mineração é uma atividade econômica não apenas lucrativa, mas que consome muito recursos naturais”.   Waldemir abordou a relação entre as grandes mineradoras, como a Vale, e os políticos que estão discutindo o novo marco regulatório do setor. As empresas, como em outros setores, criam suas redes de financiamento e controle de parlamentares. Como exemplo, mencionou um deputado que recebeu como doação de campanha, em 2014, R$ 1,8 milhão, 347% a mais que na eleição anterior. “O resultado disso é que ele tornou-se o relator do novo Código de Mineração”, complementa.   A atividade mineradora é regulada pelo decreto-lei 227, de 1969, ainda da ditadura militar. O governo controla a atividade por meio do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), ligado ao Ministério das Minas e Energia. No entanto, desde 2013 discute-se um novo marco regulatório, ainda não aprovado até agora devido à ação dos movimentos sociais. Alguns impactos diretos desse novo marco regulatório tem a ver com a PEC 215, que demarca as terras tradicionais -, levando a uma aliança entre as bancadas mineradora e ruralista, e que pode afetar inclusive as terras indígenas ou Unidades de Conservação, que poderiam ter a exploração de jazidas autorizada. Outra consequência seria a criação de uma agência regulatória, que substituiria o DNPM e que, claramente, seria controlada pelas empresas. Esse controle das empresas sobre sua própria atividade, e não pela sociedade, chega ao ponto da Vale infiltrar agentes nos movimentos sociais que militam na questão, como no Comitê.   André fez um histórico das campanhas de defesa do petróleo no Brasil, que remonta aos anos 1940, lembrando a relevância do assunto “que foi um dos centros da última campanha eleitoral”.   Até a lei 9478, aprovada durante o governo FHC, toda a atividade era controlada pela Petrobrás, com a exceção da distribuição, que estava aberta às empresas privadas; após a lei, houve a quebra desse monopólio. Não apenas começaram os leilões de áreas petrolíferas, como a própria Petrobrás passa por um processo de privatização, seja aumentando a mão-de-obra terceirizada, seja abrindo seu capital e vendendo ações nas bolsa de São Paulo e Nova Iorque.   Uma mudança importante acontece com a descoberta das reservas do pré-sal, na Bacia de Santos. Até então, as reservas já descobertas remontavam a 15 bilhões de barris de petróleo. Só o que já foi descoberto no pré-sal permite chegar a 60 bilhões, e mais ainda pode ser descoberto. Isso tem algumas consequências: uma delas é que, mesmo com as alterações no regime de leilões – de concessão para partilha -, as grandes empresas petrolíferas não levantaram grandes objeções a isso. Em suma, há lucro mais do que suficiente para todos. Neste modelo, a Petrobrás é sócia compulsória dos lotes leiloados (60% é dela) e, em tese, é a única operadora da exploração. “Em tese, porque essa exploração está sendo terceirizada pela empresa a outras, do setor privado”, observa. - See more at: http://cspconlutas.org.br/2014/11/reuniao-da-coordenacao-nacional-da-csp-conlutas-debate-situacao-nacional-para-preparar-proximas-acoes-recursos-naturais-no-brasil-e-o-congresso-da-central/#sthash.i7EQDw5h.dpuf