Apresentada no texto final do Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa, a proposta publicada pelo Congresso é o maior ataque já feito contra os servidores e servidoras públicos no Brasil. Coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), com apoio do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) e com diversos pontos de consenso com o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, o pacote pelo visto conta com concordância entre o Governo e o Congresso controlado pelo Centrão e pela extrema-direita.
As mudanças desmontam a organização do Estado Brasileiro ao ponto de quebrar o pacto federativo entre Estados e Municípios e impor regras draconianas ao conjunto do funcionalismo, com medidas que atingem diretamente as conquistas e direitos da categoria.
Entre os aspectos mais alarmantes da proposta estão a expansão da lógica meritocrática com bonificações atreladas ao cumprimento de metas, a modificação do estágio probatório e das regras de progressão funcional, a flexibilização dos vínculos empregatícios e o aumento das contratações temporárias. Soma-se a isso a chamada "racionalização" das carreiras — que, na prática, representa seu desmonte — com a padronização de tabelas salariais e a imposição de cortes orçamentários que atingem diretamente órgãos públicos e autarquias.
“A lógica e a estrutura da categoria de servidores como o regime estatutário, o ingresso por concurso público, a estabilidade no emprego para manter independência dos governos de plantão, tudo isso se quebra. Ou seja, se quebram as garantias para a sociedade de que os servidores públicos são alinhados aos interesses da população e seus direitos”, afirma o trabalhador do Judiciário Fabiano dos Santos, integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
Na realidade, a proposta contradiz o discurso oficial de modernização do setor público. Em vez de promover avanços, impõe restrições ao trabalho remoto, intensifica mecanismos de controle e amplia o aparato punitivo contra os servidores.
Sob o pretexto de buscar “eficiência”, o que se apresenta é mais uma tentativa deliberada de desestruturar o serviço público, pavimentando o caminho para a ampliação da terceirização e a fragilização das carreiras públicas. O relatório do Grupo de Trabalho (GT), longe de ser uma proposta de reforma legítima, configura-se como uma ofensiva direta ao funcionalismo das três esferas de governo.
“Essa é uma política baseada na lógica neoliberal, é completamente contraditório o discurso que é feito em termos dessa reforma administrativa. Eles pregam melhoria nos serviços públicos e redução dos investimentos. São necessários investimentos para aumentar a capacidade de entrega de serviços públicos. Quando se fala em aumento de eficiência num cenário onde a população segue crescendo e o quadro de servidores diminuindo, ao o governo reduzir investimentos, o que está fazendo, na prática, é reduzir a qualidade dos serviços públicos por meio de um mecanismo de mais com menos, mais trabalho e serviços com menos servidores. E, sim, ampliação da terceirização e a fragilização das carreiras públicas”, reforça Fabiano, diretor do Sintrajud-SP.
Divulgada com o intuito de formar maioria parlamentar para aprová-la, a proposta surge em um contexto de intensa pressão política sobre os congressistas que a apoiam — a mesma pressão popular que já barrou, nas ruas, a chamada “PEC da Bandidagem”.
Pontos centrais da nova proposta de “reforma”
Estabilidade segue sob ataque:
Apesar de o relator Pedro Paulo ter retirado a proposta de “estabilidade temporal” — tentativa superficial de amenizar as críticas —, o projeto ainda prevê contratos temporários. Essa mudança fragiliza o serviço público, abre brechas para demissões arbitrárias e enfraquece a proteção institucional dos servidores.
Avaliação de desempenho continua sendo ferramenta punitiva:
O texto mantém mecanismos que podem levar à demissão de servidores sem direito à ampla defesa, prejudicando a organização sindical e minando o direito constitucional à greve.
Ameaça real aos Planos de Carreira:
A proposta interfere diretamente nas conquistas históricas dos servidores:
- Regulamentação do congelamento salarial;
- Redução drástica dos salários de entrada (podendo ser até 50% do atual);
- Extinção da progressão por tempo de serviço;
- Licença-prêmio em risco;
- Estágio probatório submetido à lógica punitiva da avaliação de desempenho;
- Implantação de metas individuais — já em andamento em diversos órgãos, como o INSS via Portaria 1800/2024 e o PGD;
- Legalização do assédio moral como prática de gestão.
Modernização? Isso é discurso!
Embora o governo e o Ministério da Gestão e Inovação apresentem a proposta como “moderna”, ela apenas reedita a velha cartilha neoliberal aplicada desde os anos 1990: desmonte, terceirização e enfraquecimento do Estado.
Os cinco eixos da destruição do serviço público:
- Gestão estratégica: concentração de poder nas mãos das cúpulas, subordinação do serviço público à lógica do lucro e das finanças, com perda de autonomia técnica.
- Transformação digital: usada como desculpa para cortes de pessoal e terceirizações, o que aprofunda a exclusão e deteriora o atendimento à população.
- Gestão de pessoas: implementa avaliações de desempenho punitivas, enfraquece a estabilidade e institucionaliza vínculos frágeis e precários.
- Combate aos “privilégios”: discurso populista que preserva os altos salários das elites e penaliza os servidores da base.
- Ambiente institucional e “inovação”: narrativa de modernização que, na prática, promove a privatização e submete o Estado aos interesses do mercado.
O projeto está ancorado no discurso da responsabilidade fiscal e do equilíbrio orçamentário, mas, na verdade, atende a interesses do sistema financeiro, da FIESP, Fecomercio, ONGs como a República, e recebe suporte da Fundação Lemann e de bancos privados — todos já operando ativamente em diversos setores do serviço público.
Na prática, o texto abre caminho para a privatização generalizada e o desmonte estrutural do setor público. Impõe um teto de crescimento dos gastos primários a partir de 2027, incluindo reajustes salariais para servidores de estados e municípios, afetando duramente também os aposentados e pensionistas, já castigados por anos de perdas salariais.
Assim como resistimos e derrotamos a PEC 32 durante o governo Bolsonaro, é fundamental derrotar essa nova tentativa de mercantilização do serviço público, que transforma direitos em oportunidades de lucro e compromete o papel social do Estado.
A CSP-Conlutas chama todos os setores da categoria de serviços públicos para intensificar a luta contra essa reforma, para que possa agregar os diversos movimentos da classe trabalhadora. “O caminho para fazer o enfrentamento é necessariamente a unidade de todos os setores, do movimento sindical, do movimento social, de todas as entidades da sociedade civil, para que a gente possa ter força e volume nsta mobilização. O papel das Centrais Sindicais é fundamental, o envolvimento das centrais sindicais em um processo unitário, como aconteceu na luta contra a PEC-32, é fundamental para que a gente possa reverter esse processo. E a luta, a mobilização popular continua sendo o maior caminho, o único que a gente sabe com o qual pode contar”, convoca o integrante da Executiva Nacional da CSP-Conlutas.