No dia 24 de janeiro, o congolês Moïse Kabamgabe, de 25 anos, foi espancado até a morte depois de cobrar R$ 200 por duas diárias de trabalho não pagas. O caso aconteceu no Rio de Janeiro, em um quiosque na Barra da Tijuca. Em depoimento, testemunhas afirmaram que Moïse apanhou de 5 homens que usavam pedaços de madeira e um taco de beisebol e pediu, durante as agressões, para não ser morto. A suspeita é de que os homens que o espancaram eram seguranças do quiosque.
Para fugir da guerra e da fome, Moïse veio para o Brasil em 2014 com a mãe e os irmãos. O país que um dia representou a esperança de dias melhores, tornou-se cenário de uma barbárie na qual racismo e *xenofobia se misturam. A selvageria tem raízes profundas em nossa história e ilustra a problemática dos tão famosos “justiçamentos de rua”. Em entrevista ao podcast “O assunto”, o sociólogo e professor emérito da USP, José de Souza Martins, identifica no assassinato brutal de Moïse um novo tipo de linchamento, uma vez que não está associado a acusações de furto ou estupro, mais recorrentes, e sim a relações de trabalho. Martins reflete ainda que linchamentos são também uma expressão de medo do novo e do diferente e que nossa sociedade é, com o estímulo inclusive do governo, cada vez mais “uma sociedade do medo” e da violência sistêmica, afinal, de quem são os corpos que morrem vítimas dessa cultura? Sabendo que o jovem morreu ao cobrar seu pagamento, em qual tipo de sistema as pessoas trabalhavam sem ter o direito de receber?
É preciso refletir sobre essa política que perpetua o extermínio do povo preto e é consequencia dos mais 350 anos de escravidão, sem reparação, vividos no Brasil. É preciso entender o capitalismo também como um fator determinante para que o dinheiro seja colocado acima da vida em todas as ocasiões. O caso de Moïse não é isolado e chega a ser irresponsável tratá-lo como tal. Todos os dias essa cena do preto, amarrado e morto se repete nos becos, favelas, periferias e a certeza da impunidade gera em todos nós angústia de que vai continuar se repetindo. Mas, nós que ficamos, não iremos nos calar diante da dor dessa família que enfrenta hoje uma perda irreparável. Exigimos a punição dos responsáveis e reparação do Estado já!
Justiça por Moïse!
*Xenofobia: desconfiança, temor ou antipatia por pessoas estranhas ao meio daquele que as ajuíza, ou pelo que é incomum ou vem de fora do país.
Autor: Francisca Pires