No intervalo de 2020 e 2021, a Covid-19 interrompeu 574.944 vidas. Esse número é atualizado todos os dias. Algumas plataformas conseguem documentar o aumento a todo momento. E cada pessoa, que hoje lida com a dor incessante de ter perdido alguém que ama, registra na memória a parte que lhe cabe nesta triste estatística.
Eternizado em nosso memorial, a história do servidor Antônio Pedro, técnico de Enfermagem, se entrelaça com a do seu filho, João Antônio. Foi ele quem recebeu a notícia da morte do pai em 1° de julho de 2020. Mais do que isso, recebeu também um pedido antes dele partir: "’Cuide da sua mãe, meu filho’", pediu Antônio Pedro antes de morrer. O amor que o pai tinha pela enfermagem inspira João, que segue a mesma carreira. O filho carrega o pai no nome e seus ensinamentos.”
João Antônio não foi o único.Infelizmente. A pandemia deixou um vazio que jamais poderá ser preenchido na vida de mais de meio milhão de filhos. Alguns já adultos, com seus trabalhos, casas e até com seus próprios filhos. Não existe hora certa ou menos dolorosa de perder os pais, no entanto, a situação torna-se mais problemática quando estes filhos ainda são dependentes. Isso porque, para além da tragédia emocional, está o baque da perda, muitas vezes, da pessoa responsável pela renda familiar, sem contar que muitos não possuem outro familiar que possa torna-se responsável pela sua tutela. Nestes casos, essas crianças são encaminhadas a instituições públicas já superlotadas e sem boas estruturas.
No Brasil, por exemplo, mais de 113 mil menores de idade brasileiros perderam o pai, a mãe ou ambos para a covid-19 entre março de 2020 e abril de 2021. Quando falamos de crianças e adolescentes que tinham como principal cuidador os avós/avôs, esse número saltou para 130 mil no país. Segundo o periódico científico Lancet, a cifra ultrapassa 1,5 milhão de órfãos no mundo todo.
E a partir daí, o que resta? Estamos falando de crianças que são obrigadas a viver em situações cada vez mais vulneráveis sem o pai ou a mãe e, em casos piores, sem ambos. Crianças pequenas que mereciam mais tempo com aqueles que viriam a lhes ensinar tudo sobre a vida e, quem sabe, sobre a morte. Sem ter a quem recorrer, esses pequenos brasileiros hoje precisam aprender a seguir.
Como explicar a esses brasileirinhos e brasileirinhas que seus pais foram levados não só por um vírus forte e malvado, mas também pela irresponsabilidade e crueldade daqueles que estão no poder. Não será fácil para sua mente inocente entender a relação entre a cadeira vazia na sala de jantar, nas festinhas da escola ou na plateia da formatura e o negacionismo sobre o vírus, a negação da ciência, as notícias mentirosas, o estímulo às aglomerações e ao não uso de máscara.
Como será difícil encontrar sentido no fato de que nessa história da vida real, as pessoas que estão tentando salvar vidas, seja na linha de frente ou no serviço de entregar informação de qualidade para população, nem sempre vencem. Pelo contrário. São atacadas, desvalorizadas e ridicularizadas.
É uma pena que suas vidas, tão jovens, tenham se cruzado com a vida do pior Presidente da República que o Brasil já teve, Jair Bolsonaro (Sem Partido), responsável por levar a pandemia ao nível mais crítico no Brasil. Sentimos muito que os governadores e prefeitos tenham seguido seus passos. Assim, ninguém conseguiu impedir essa tragédia. A vacina trouxe consigo a esperança. Esperança de que sua geração alcance a cura e o controle da doença. Seus pais podem não ter conseguido, mas você que ficou vai conseguir. Para tal, exigimos ações que impactem diretamente na vida destas pessoas. É imprescindível a inclusão imediata desses menores de idade em programas de transferência de renda, para combater a vulnerabilidade financeira e social que vem junto com a orfandade.
Não somos o Brasil de Bolsonaro. Somos o Brasil que resiste apesar dele. Que de onde estejam, todos esses pais e mães, ou figuras que desempenharam este papel, sintam-se orgulhosos dos filhos que presentearam ao mundo.
Autor: Francisca Pires