“Todos os dias recebemos a notícia de que tem um colega de profissão ou um conhecido entubado, precisando de uma vaga de UTI ou em estado grave em casa, e até mesmo que foi a óbito...como o que ocorreu recentemente com dois amigos de trabalho que me deixou muito abalada, a gente vive em constante estado de medo e pânico.” Esse é o desabafo de Maria do Carmo, de 54 anos, que trabalha na Central de Material do Santa Catarina, hospital referência Covid-19 para gestantes no RN. O estado registrou nesta terça-feira (30), um percentual de 96,9 % de ocupação dos leitos de UTI, chegando a 99% na Região Oeste, Seridó com 97,4%, e na Região Metropolitana de Natal com 95,8% de ocupação.
Maria, é servidora da saúde do Estado há 25 anos, além da carga horária semanal de 40h, ela chega a dar até 16 plantões por mês, já contando com os 4 plantões eventuais. Ao ser questionada como se sente, ela relata, “neste momento estou fisicamente cansada e mentalmente esgotada! Estou há um ano sem tirar férias. Eu estou cansada, pq não é fácil trabalhar na saúde pública, sobretudo neste momento de pandemia, em vinte e cinco anos de profissão, eu nunca vi algo assim”, afirma. Assim como ela, vários outros servidores da saúde do Rio Grande do Norte afirmam terem chegado ao seu limite em relação a sobrecarga de trabalho e a pressão psicológica no combate a Covid-19.
O adoecimento dos profissionais da saúde vai além da contaminação pelo vírus. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que analisou o impacto da pandemia e do isolamento social na saúde mental de trabalhadores essenciais, mostrou que sintomas de ansiedade e depressão afetam 47,3% desses trabalhadores durante a pandemia, no Brasil e na Espanha. Para a psicóloga Thelma Ribeiro, que também é servidora da saúde do RN, a sobrecarga de trabalho afeta o trabalhador em todos os âmbitos, “os trabalhadores podem apresentar falta de paciência, desânimo, diminuição na proatividade e no desempenho das tarefas, e até mesmo uma falta de comprometimento”, afirma a especialista. Isso porque, de acordo com a psicóloga, os trabalhadores assimilam esse esgotamento e a sobrecarga a uma pessoa, “sabemos que normalmente é direcionado aos gestores e aos governos que não dão condições para os trabalhadores desempenharem as funções de maneira satisfatória. E isso vai refletir no cuidado e no atendimento prestado aos usuários do SUS”.
É o caso, por exemplo, de uma servidora da saúde de Natal, que preferiu não se identificar. A técnica de enfermagem em questão, atua na saúde do município há 2 anos, com carga horária mensal de 108h, incluindo os plantões. Neste momento de pandemia, a servidora afirma que sua saúde física e mental estão totalmente abaladas: ” Já estamos há mais de um ano trabalhando sem férias nesta pandemia, e estamos exaustos. A nossa saúde mental tá na UTI, assim como tantos pacientes, pois se a gente cuida dos doentes, quem é que cuida da gente?”, relata a técnica, com a voz embargada.
Além de todo o estresse gerado com a pandemia, um dos principais desafios que os profissionais enfrentam é a falta de estrutura nas unidades de saúde. Para Maria do Carmo, do início dessa reportagem, ao longo dos anos a saúde pública do estado vem sendo sucateada. “Falta assistência, insumos, materiais de trabalho e vagas de UT” e ainda completa, “todo dia trabalhamos com medo de se contaminar, ou de contaminar os nossos amigos e familiares, ainda por cima estamos há 11 anos sem reajuste e ainda com salários atrasados”. Já para a técnica de enfermagem do município de Natal, além do sucateamento e da falta de materiais e insumos, os profissionais também enfrentam problemas com assédio moral e o déficit de profissionais nas unidades de saúde, que há anos vem sendo denunciado pelo Sindsaúde/RN.