A morte rouba o brilho e o calor das coisas. Para Elba, depois da morte de sua cunhada Jane Eire, a mesa de mármore da cozinha de azulejos é fria e opaca. Os tons pastéis da grande casa ficaram mais apagados. Ao anoitecer, quando o contorno das coisas vai se desfazendo e a escuridão vai engolindo os objetos, o vazio da angústia permanece, mesmo quando acende a luz e percebe que os móveis continuam intactos, a Terra continua girando e a vida tem que continuar.
Tudo na casa lembra Jane Eire. Ela quem construiu o espaço, escolheu portas, maçanetas. A família costumava sempre sentar à mesa para comer e conversar. Esperavam Jane Eire chegar do trabalho para almoçarem. “Depois que Jane morreu, estamos evitando ao máximo ficar na casa de Mossoró. Estamos ficando mais no sítio. Ele tem sido uma válvula de escape, tem ocupado o tempo, a cabeça”, desabafou Elba. O que mais dói nela foi não poder ter visto o corpo ou ter deixado flores.
A vida de Jane Eire foi interrompida na manhã do dia 22 de junho, sob as paredes do hospital Wilson Rosado. O médico ligou para a família dizendo que ela tinha sofrido uma parada cardíaca e que a equipe não conseguiu reanimá-la.
Jane Eire estava na linha de frente no combate à Covid-19. Era enfermeira do hospital Tacísio Maia e trabalhava também na UPA do bairro Belo Horizonte, em Mossoró. Devido o aumento da sobrecarga de trabalho no período de pandemia, ela estava fazendo vários plantões. Mesmo sabendo que estava contaminada pelo vírus, pensava que ia se recuperar bem e voltar a trabalhar. “Jane nunca disse que tinha medo de morrer. Ela dizia que a situação dela era fácil de resolver”, contou Elba.
Numa quinta-feira antes de descobrir a contaminação, ela foi deitar após o almoço com muitas dores no corpo. Desconfiada, realizou o exame. A confirmação só veio após o segundo teste. Ela tinha muito medo de contaminar os parentes.
A família sempre morou na mesma casa, em Mossoró. “Jane era muito fácil de lidar. Generosa, ela cuidava mais dos outros do que de si mesma. Era uma excelente pessoa; excelente filha, excelente irmã”, descreveu Raimundo, o irmão mais novo. Ela era como uma mãe para ele.
Vânia também amava a irmã. A saudade aperta mais na hora de dormir, pois dividiam o mesmo quarto. Ela sempre cozinhava para a irmã. “Vou deixar a comida da doutora pronta”, dizia.
Jane Eire gostava muito de ir à praia, de comer frutos do mar, comida japonesa e tomar açaí. As idas ao sítio aos domingos eram quase sagradas.
A família é tão harmoniosa que causa até espanto em algumas pessoas. Nunca passaram um dia sem se falar. Sempre passaram Natais e Réveillons juntos. O nascimento do filho de Elba, Tiago, hoje com 8 anos, fortaleceu ainda mais esses laços. Jane Eire desenvolveu uma relação maternal com ele. Foi a primeira pessoa a vê-lo na maternidade. Nunca perdeu um aniversário do sobrinho. Se tivesse plantão no dia, trocava. O buscava na escola e nutria seus sonhos, como o de ser goleiro. Tiago ainda está em choque com sua morte. “Por que Deus levou minha tia? Por que ele não fez um milagre?”, ele pergunta.
O impacto da morte foi gigantesco para todos. Mas viveram momentos intensos e felizes. O sítio fica na estrada de Governador Dix-Sept Rosado, onde passam a maior parte do tempo. Passaram a vida sempre perto um do outro e continuam assim, mais do que nunca.
Relatos compartilhados pela cunhada e pelo irmão de Jane Eire
Escrito e apurado por Tiago Silva