O som de sirene ainda ecoa surdo dentro de Jucilene, irmã mais velha de Jussier Fernandes. Ela ainda não dorme direito desde que ele partiu. Sente que está a seu lado. Às vezes se pega chorando na cozinha. No aniversário dela, em 18 de maio, Jussier foi a sua casa desejar felicidades. O abraço dele foi tão forte que pareceu uma despedida. Vai revelar uma foto deles dois e colocar na cabeceira da cama. "Às vezes estou andando pela casa e lágrima desce. Foi uma dor muito forte que senti rasgando o peito", contou ela quando soube da morte do irmão.
A família ainda se pergunta como a morte dele ocorreu tão rápido. Jucilene não teve condições emocionais de ir ao cortejo. Foi a única irmã que não foi. Nunca pensou em enfrentar a morte de Jussier. Pela lei da vida, ela pensava que ia primeiro, por ser a mais velha e por já ter enfrentado um câncer.
Jussier adorava praia, cerveja, churrasco e filmes antigos. Brincalhão, sempre achava um modo de arrancar um sorriso das pessoas. Ele brincava muito com a cachorra de estimação da irmã e dizia que as duas eram parecidas, por causa dos olhos. Hoje, quando seus olhares castanhos se encontram, o dela embaçado de lágrimas, Jucilene vê espelhado o irmão. Se fosse possível doar algum órgão dela para salvar a vida dele ela o faria. "Pode tirar de dentro de mim e colocar nele", ela dizia. "Se fosse para tirar meu coração, podia tirar; eu só queria vê-lo bem".
Jucilene lembra com carinho das memórias de infância com o irmão, das brincadeiras e travessuras. Quando ficavam de castigo, a mãe deles os separava. Jussier ia até onde Jucilene estava e ficavam rindo da situação.
Sua vida era marcada por salvar a vida dos outros. Condutor de ambulância, ele era responsável por chegar o mais rápido possível e com segurança no local da ocorrência. Desejava quando morresse ser visto por todos ou morrer trabalhando.
A mãe e o pai de Jussier sofreram muito com a perda do filho. No início do ano, seu pai sofreu um acidente ao cair de um pé de azeitona. Jussier então pediu licença do trabalho para acompanhá-lo no hospital. "Meu filho cuidou tanto de mim no hospital e eu não tive a mesma oportunidade de cuidar dele", lamentou o pai. "Mas eu queria ter ido e ter dado suco de mastruz, assim ele ia ficar bom logo".
Jucilene certo dia encontrou o pai chorando na cozinha. "Pai, por que o senhor está chorando?", perguntou. "Eu tô com o coração retalhado...o que mais me machuca é não poder ter feito nada para ajudá-lo e não poder ter me despedido dele", respondeu com profunda tristeza.
A última vez que Juciara, também irmã de Jussier, antes de sua morte foi quando ele estava na UTI. Ela tinha ido deixar produtos de higiene. Ele estava sedado, não via, não ouvia, nem se mexia; o contato de Juciara com ele foi apenas visual. Conversaram pela última vez por telefone. Ela sempre lançava palavras de conforto e de esperança. "Você vai sair dessa. Você vai sair com a plaquinha "eu venci a Covid-19"", contou.
No dia 10 de junho ele foi para o Hospital Rio Grande. "Eu vou mas tenho certeza que não vou sair", dizia. Como o estado dele não teve avanço, foi entubado. Seus pulmões ficaram 90% comprometidos. Ele faleceu no dia 5 de julho, às 17h55 e foi sepultado no dia 6, às 10h40. Era aniversário de Juciara.
Trabalhou quase 16 anos no Samu Natal. Muito respeitado pelos colegas de trabalho, recebeu diversas homenagens ao falecer. Ele era "Samu raiz", um dos primeiros a desenvolver a função.
Muito disposto, não existia tempo ruim para ele. Se preocupava sempre com os outros. 90% dele era alegria. Tinha diversos apelidos, como "Ê", "Bigode", "Dr. Samu", "Dr. Juju". Para muitos amigos dele a ficha ainda não caiu.
Jussier Junior, o filho, se perde nas palavras ao dizer o que o pai representava . "Ele era pai, amigo... ele era tudo...ele sempre alegrava a gente, nunca deixava de sorrir... é um negocio que não tem como explicar".
É difícil para Juciara falar sobre o irmão. Eles cresceram juntos e mantinham sempre contato. Seus pais criavam gado e eles sempre iam brincar no sítio. Durante um dia de brincadeira, Jussier sentiu uma picada no pé e correu para casa pensando que fosse cobra. Sua mãe pediu para ele tomar leite com fumo. "Eu nunca tomei algo tão horrível!", dizia quando contava a história. Felizmente, foi apenas uma formiga.
Aproveitaram muito bem o simples da vida. Andavam sempre pelo mato, viam cobras, tomavam banho de rio e andavam de bicicleta. Para Juciara, ele deixou uma ferida que não vai cicatrizar. Ele marcou a vida das pessoas que o conheceram e das que não o conheceram.
Seu neto Matheus, de 5 anos, diz que o avô virou estrela. Antes de Jussier morrer, Juciara disse que ia levá-lo para subir o Pico do Cabugi. Ela vai em agosto e vai levar o brilho do irmão no coração.
Relatos compartilhados pelas irmãs de Jussier, Jucilene e Juciara e o filho, Jussier Júnior
Escrito e apurado por Tiago Silva