O Comitê para Migrações de Roraima (COMIRR), rede de instituições da sociedade civil voltada ao serviço, acompanhamento e defesa de migrantes, divulgou nesta segunda-feira (20), uma nota de repúdio (COMIRR – Nota 01-2018) aos violentos atos contra refugiados venezuelanos, ocorridos no último sábado. Mais de 40 entidades assinaram o documento, que aponta os governos federal, estadual e municipal como os responsáveis pelo acirramento da tensão social em todo o estado.
Família de venezuelanos teve documentos, roupas e o barraco onde moravam destruídos por brasileiros durante ataques (Foto: Inaê Brandão/G1 RR)
“Autoridades de diferentes níveis da Federação e dos três Poderes que disseminam a discriminação e pleiteiam medidas populistas e inconstitucionais como o fechamento de fronteira ou cota de entrada de migrantes vêm agindo de forma irresponsável. Episódios deploráveis como o deste final de semana encontram inspiração em discursos e medidas xenofóbicas por parte do poder público. A falta de um trabalho integrado das administrações públicas para a acolhida, proteção, promoção e integração, somado ao consequente ressentimento acumulado pela população, geram barbárie e envergonha-nos mundialmente”, diz trecho da carta.
O documento é assinado por entidades como a Diocese de Roraima, Cáritas, Centro de Migrações e Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra, CNBB, Conectas Direitos Humanos, entre outros. O Sintracomo (Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Roraima) e a CSP-Conlutas também assinam a carta.
Danilo Correia Bezerra, missionário da Diocese de Roraima e coordenador das pastorais sociais, relata que o clima de tensão ainda é grande e, infelizmente, o episódio não é surpresa uma vez que a situação vem se agravando, com a responsabilidade dos governos, seja por omissão e até mesmo por incitamento à xenofobia por parte de algumas autoridades.
“Nas últimas semanas tinha muitos venezuelanos em Pacaraiama, pois a documentação estava demorando demais, cerca de 10 dias, impedindo que os migrantes se dirigissem a outros locais. É muito tempo para tantas pessoas ficarem numa cidade pequena como Pacaraima. As tensões vão se acumulando”, relata Danilo.
“Já são quase quatro anos do início desse fluxo migratório e não existe uma política concreta para a situação. A resposta do governo é a militarização e não de respostas sociais e humanitárias ao problema. Por isso, casos de xenofobia já aconteceram em Mucajaí, Pacaraiama e não tá difícil de ocorrer em Boa Vista”, disse.
Segundo Danilo, para piorar, há muitas notícias falsas (fake news) e boatos nas redes sociais e no “no boca a boca” que alimentam o clima de preconceito e a tensão social na região. “Houve o assalto a um senhor. A vítima já teve alta, mas se fala que ele foi assassinado, que morreu. Até agora os assaltantes não foram identificados. Há muita notícia falsa e tem aqueles, inclusive políticos, com más intenções, que alimentam esse clima”, disse.
“Para muitos, é melhor culpar os venezuelanos, do que admitir que em nosso país há um desmonte dos direitos e ataques, como à Previdência, a reforma trabalhista e a lei da terceirização, que deterioram as condições sociais para brasileiros. Dos cinco candidatos ao governo do estado, quatro em seu programa de governo são contra os venezuelanos. Inclusive, a governadora é a favor de fechar a fronteira, uma medida não só ilegal, mas imoral, pois é contra princípios humanitários. Os responsáveis são eles, mas preferem jogar a culpa nos venezuelanos”, denunciou.
Danilo fala ainda em “relações internacionais que estão sendo quebradas”. O cotidiano de Pacaraima, uma pequena cidade com cerca de 10 mil habitantes, sempre se confundiu com Santa Helena, o município venezuelano do outro lado da fronteira.
Segundo relato da jornalista Malu Aires, a energia elétrica de Pacaraima vem da Venezuela. O único posto de abastecimento de combustíveis está Venezuela. Os moradores da cidade de Pacaraima dependem da Venezuela para aquecer o comércio do município e para consumo de energia. Sem gasolina, o comércio e o trânsito de Pacaraima param. Sem compradores venezuelanos, o comércio de Pacaraima para. Brasileiros não-índios e venezuelanos são parceiros há décadas e esta parceria sustenta Pacaraima.
“Brasileiros sempre foram para Venezuela, fazer compras, negócios, enfim, indo e vindo. Bem como, ao contrário, com a entrada e saída frequente de venezuelanos aqui no Brasil. Agora, que o povo brasileiro tem de doar, criam esse clima de xenofobia. Os brasileiros que estavam em Santa Helena no sábado ficaram também ficaram inseguros e receosos. São relações internacionais que estão sendo quebradas”, disse.
Na carta de repúdio, o COMIRR cobra a atuação fiscalizatória do Ministério Público Federal e Estadual dos atos violentos ocorridos que violam os direitos humanos, bem como que as autoridades do poder público de Roraima deixem de incitar a violência por meio de discursos e medidas discriminatórias e desumanas. Medidas de integração local em Roraima por meio de reforço dos serviços públicos e da interiorização devem ser priorizadas pelo Governo Federal, reivindicam as entidades.
A CSP-Conlutas aprovou uma nota de repúdio (moção venezuelanos) à xenofobia contra venezuelanos e reafirma seu entendimento de que migrar é um direito universal e nenhum ser humano pode ser tratado como ilegal em nenhum lugar do mundo.
“A classe trabalhadora e o povo pobre têm sido atacados pelo capital e seus governos e sofrem com o desemprego, a perda de direitos, o caos nos serviços sociais em todo o mundo. Portanto, a luta não pode ser entre o povo brasileiro e o povo venezuelano. A luta deve ser da classe trabalhadora como um todo, brasileira e venezuelana, contra esses governos que nos exploram e oprimem”, afirma o integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, Atnágoras Lopes.