Recentemente saiu uma pesquisa divulgando dados referentes a estupros coletivos no período entre 2011 e 2016, no Brasil. Os dados são do Ministério da Saúde, levantados pela Folha de São Paulo e que mostra números assustadores. Segundo o levantamento, o Rio Grande do Norte teve um aumento de 400% de estupros coletivos, deixando o estado em quinto lugar na lista dos estados que tiveram maior crescimento no número de estupros coletivos.
No entanto, esses números não refletem a realidade, pois muitos dos casos são subnotificados. Muitas mulheres, vítimas de estupros acabam não denunciando e muitos desses casos não chegam se quer à delegacia.
Segundo a titular da Secretaria de Políticas públicas para Mulheres do RN, Flávia Montenegro Lisboa, os serviços básicos de saúde são, usualmente, a porta de entrada para a mulher que se encontra em violência doméstica e para isso, é necessário uma integração entre a saúde e a delegacia da mulher.
No dia 25 de agosto, foi publicado um Decreto assinado pela prefeitura do Natal, que estabelece normas de ação conjunta a serem desenvolvidas por órgãos da administração municipal, em especial a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (SEMUL), em relação aos casos de violência contra a mulher.
O Decreto orienta as unidades de saúde a realizarem o atendimento às mulheres vítimas de violência, sem a exigência de apresentação de Boletim de Ocorrência, laudo do Instituto Médico Legal ou outro documento, como condição para o atendimento médico, podendo a prática configurar omissão de socorro.
Também orienta o profissional de saúde a encaminhar a vítima de violência sexual a realizar exames de detecção de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e a auxiliar na identificação do agressor, além de outros materiais que possam ser úteis ao exame médico-legal.
Além disso, o Decreto estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Leia o Decreto no final da matéria.
Medidas como essa ajuda, mas não resolve
Em uma sociedade machista que ainda culpabiliza a mulher pela cultura do estupro, onde o governo federal reduziu em 61% em políticas públicas de combate à violência contra as mulheres e que o estado do Rio Grande do Norte conta apenas com cinco delegacias especializadas em Atendimento à Mulher, para atender a demanda de 167 municípios, medidas como essa ajuda, mas ainda é muito insuficiente.
As delegacias da mulher funcionam apenas em horário comercial, de segunda à sexta. Sábado e domingo, dias em que mais ocorre violência contra as mulheres, à delegacia fica de portas fechadas. Em Natal, há duas delegacias, uma na Zona Norte e outra na Ribeira. As outras três delegacias estão localizadas em Parnamirim, Mossoró e Caicó.
Além disso, em todo o RN existe apenas uma casa abrigo para as mulheres que sofrem violência, ou seja, na maioria das vezes, a mulher é obrigada a retornar à sua casa para ficar ao lado do agressor. A Lei Maria da Penha oferece a medida protetiva às mulheres, mas ainda é incapaz de solucionar, pois essas mulheres acabam sendo assassinadas, vítimas do feminicídio.
Não basta ter uma lei, tem que investir
Se, de um lado, foi um marco em termos de legislação de combate à violência à mulher, o fato é que a aplicação de suas medidas, mesmo as mais básicas, ainda enfrenta muitos obstáculos seja pelo machismo, seja pelo descaso dos governos.
A Lei Maria da Penha que completou 11 anos no mês de agosto, é uma lei que apesar de ser uma vitória da luta das mulheres, ainda é insuficiente, pois a violência ainda está longe de ser superada. Infelizmente, a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência no Brasil, sendo este o quinto país que mais mata mulheres por violência. A cada 23 segundos uma é vítima de espancamento ou tentativa de estrangulamento. A cada 8 segundos uma mulher é vítima de violência física ou a cada dois minutos uma mulher é morta por arma de fogo.
O orçamento para efetivar essa lei em uma rede de assistência às vítimas foi diminuído ao longo dos anos. No governo Dilma (PT) foram investidos apenas 0,26 centavos por cada mulher que sofreu algum tipo de agressão. Já no governo Temer (PMDB) o corte foi de 61% em um orçamento já super-reduzido. Os valores caíram de R$ 42,9 milhões para 16,7 milhões. Os governos estaduais e municipais seguem a mesma cartilha. Esse é um dos principais motivos pela ineficiência da lei.
DECRETO N.º 11.337 DE 25 DE AGOSTO DE 2017
Regulamenta o Art. 12 da Lei nº 5.837, de 07 de janeiro de 2008. Disciplina o atendimento às vítimas de violência sexual e doméstica, e dá outras providências.
O PREFEITO DA CIDADE DO NATAL, no uso das atribuições que lhe são conferidas, em
especial, contida no Art. 55, IV da Lei Orgânica do Município do natal,
CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer normas de ação conjunta a serem desenvolvidas por órgãos da administração municipal, em especial a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (SEMUL);
CONSIDERANDO que ocorrências de violência sexual e doméstica reclamam atendimento
preferencial, em razão dos graves agravos físicos, psíquicos e sociais que dela decorrem,
DECRETA:
Art. 1º Este Decreto regulamenta o Art. 12, I da Lei nº 5.837, de 07 de janeiro de 2008, disciplinando o atendimento preferencial a ser dispensado às vítimas de violência sexual e doméstica nas unidades de atendimento do Serviço de Atendimento Fixo de Urgência da Secretaria Municipal de Saúde.
Art. 2º Para efeito deste Decreto considera-se violência:
I – doméstica: qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial;
II – sexual: qualquer forma de atividade sexual não consentida.
Art. 3º À vítima deverá ser dispensado atendimento preferencial, ressalvados os casos de maior urgência, assim considerados por profissional de saúde.
Art. 4º É vedada a exigência de apresentação de Boletim de Ocorrência, laudo do Instituto Médico Legal ou outro documento congênere, como condição para o atendimento médico, podendo a prática configurar omissão de socorro (Código Penal, art. 135).
Art. 5º Na hipótese de o primeiro atendimento se dar pela Guarda Municipal deverá o agente conduzir a vítima ao estabelecimento de atendimento à saúde mais próximo e comunicar o fato imediatamente à:
I – autoridade policial e, no caso de vítima menor de dezoito anos de idade, e ao Conselho Tutelar;
II – ao Centro de Referência Elizabeth Nasser, serviço do Município do Natal, que acolhe mulheres em situação de violência doméstica.
Art. 6º Ao prestar os primeiros-socorros o profissional de saúde orientará a vítima de violência sexual a proceder a colheita de material biológico necessário à exames de detecção de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e à auxiliar na identificação do agressor, além de outros materiais que possam ser úteis ao exame médico-legal.
Parágrafo único. Existindo a necessidade de exame de maior complexidade, a juízo do profissional de saúde, após o atendimento a vítima será encaminhada ao Instituto Médico Legal.
Art. 7º No atendimento à vítima deverá ser observado o previsto na Lei Federal nº 10.778, de 24 de novembro de 2003 (Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados).
Art. 8º Fica a Secretaria Municipal de Saúde autorizada a praticar todos os atos necessários a perfeita execução deste Decreto.
Art. 9º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.
Palácio Felipe Camarão, em Natal/RN, de 25 de agosto de 2017.
CARLOS EDUARDO NUNES ALVES
Prefeito