A PEC 29/2015 volta a ser discutida no Congresso Nacional e retoma ideias antes dispostas no Estatuto do Nascituro, proposto em 2007, que defendia que o ser humano ainda não nascido possuía proteção jurídica, direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos da personalidade. Além disso, o estatuto determinava que, além de não poder abortar em caso de estupro, a vítima teria de conviver com o estuprador, que seria responsável por pagar pensão à mulher.
Não muito diferente, a PEC 29, que propõe alteração no artigo 5º da Constituição Federal, defende que a vida do cidadão deve ser preservada desde o momento da concepção. O que, na prática, também significa veto ao aborto legal. Além do resultante por estupro, pode impedir o aborto seguro para casos em que há risco de morte para a mãe ou se o feto é anencéfalo ou possui outra grave doença incompatível com o ambiente extrauterino.
O projeto segue em tramitação no Congresso após ser colocado em pauta, no dia 16 de abril, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Na proposta, que tem como relator atual o Senador Eduardo Amorim (PSC-SE), no capítulo da Constituição em que são indicados os termos dos direitos e garantias fundamentais, e direitos e deveres individuais e coletivos, acrescenta-se ao trecho sobre a garantia da “inviolabilidade do direito à vida” a condição de “desde a concepção”.
Se há casos específicos do aborto legalizado, em que é permitida a retirada do feto nas primeiras 24 semanas, com esta proposta de alteração na Constituição, até mesmo a mulher que estiver em condições legais para a realização do aborto poderá ser criminalizada. “Em poucos dias de gestação o coração já esta funcionado. Entre 11 e 12 semanas todos os órgãos já estão presentes no corpo da criança. Atualmente é cientificamente possível garantir a perfeita sobrevivência de uma criança nascida de um parto com apenas 18 semanas de gestação, algo completamente impossível na década de 80”, conforme consta na proposta.
A alegação de que a PEC garante o direito à vida, é uma farsa. Se aprovada, a proposta deve elevar os números de mortes de mulheres que buscam clandestinamente realizar o aborto. E o que se vende como uma evolução na Constituição, mascara ação retrógrada que permite judicialização e criminalização para casos que hoje são legais e muito restritos. “Portanto, este pequeno acréscimo, de apenas um termo esclarecendo ao artigo 5º, adéqua nossa Constituição Federal aos atuais avanços científicos e terá o poder de garantir o direito à vida de milhares de crianças brasileiras que são assassinadas por falta de proteção jurídica”, compreende o documento.
E de nada tem servido o avanço tecnológico para salvar a vida das mulheres ou das crianças. As taxas de mortalidade infantil continuam afetando as áreas mais pobres do país. A região norte, por exemplo, em última pesquisa do IBGE, divulgada em 2016, apresentou taxas de mortes de crianças de até 1 ano da média nacional de 12,9 óbitos para cada mil nascimentos. Em Roraima, o índice de bebês que morrem antes do primeiro aniversário é de 20,2 para cada mil nascidos vivos – mais que o dobro do que é considerado aceitável pela OMS. Agravado pela corrupção e corte nos orçamentos da saúde, fica evidente que usar o avanço tecnológico para justificar mais esta tentativa de criminalização do aborto é uma falácia.
Para Marcela Azevedo, da Executiva Nacional do Movimento Mulheres em Luta, “quanto mais se aprofunda a crise econômica e política no país, maiores são as tentativas de fazer com que os setores oprimidos e super explorados paguem a conta”. “Essa PEC, que resgata a ideia do Estatuto do Nascituro, quer impor às mulheres trabalhadoras uma submissão absurda, no intuito de nos desmoralizar e nos retirar das ruas e da resistência contra todos os ataques aos nossos direitos”, alerta.
Segundo dados publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em maio deste ano, mais 1.2 milhões de adolescentes morrem por ano. As mulheres entre 15 e 19 anos morrem mais por complicações na gravidez como hemorragia, infecção generalizada e complicações no parto ou decorrentes de abortos inseguros. A mesma organização apontou que, a cada dois dias, uma brasileira morre por aborto inseguro.
Por isso, é necessário seguir na luta para mostrar que são as mulheres as que mais morrem por falta de proteção jurídica, e que é pelo direito à vida que o aborto deve ser legalizado. Para tratar a questão, é necessário empenho focado na educação, no acesso e incentivo do uso de anticoncepcionais, e na garantia do aborto legal e seguro para evitar as milhares de mortes de mulheres. “Nosso lugar é na luta e dela não abrimos mão. Vamos barrar essa PEC, o governo e seus aliados, construindo uma forte Greve Geral de 48 horas no Brasil”, concluiu Marcela.