Gibran Jordão*
“Ajudará, também, no financiamento adequado e suficiente para o SUS, mobilizando a sociedade e os governos para garantir a aprovação pelo Congresso Nacional de projeto de lei que assegure o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas da União para a saúde pública.”
(Diretrizes para programa de governo, Encontro Nacional do PT, 2014)
Dona Luzia é trabalhadora rural aposentada, recebe um salário mínimo da previdência social, mora no interior do Mato Grosso. Como tem parentes em Goiânia, sempre que a saúde precisa de cuidados recorre à família e em especial ao Hospital das Clinicas da Universidade Federa de Goiás. Em 2014 precisou de tratamento emergencial, pois foi diagnosticada com Leucemia e passava por fortes crises. O Hospital das Clinicas tinha acabado de fechar dezenas de leitos por falta de recursos e como o caso era grave foi oferecido um espaço na enfermaria, dias dormindo numa maca completamente inadequada para acolher uma paciente de quase 70 anos que sofria de uma enfermidade que avançava. Alem disso, os familiares tiveram que ajudar a pagar material básico como soro, curativos, gases, antibióticos e etc, para dar continuidade ao tratamento...Depois de dias de agonia e sofrimento, dona Luzia conseguiu um leito, um quarto que dividia com outros três pacientes.
Relatos como esse fazem parte do cotidiano da saúde publica no país, que apresenta casos bem mais graves que o exposto acima, esse artigo tem o objetivo de analisar a crise dos Hospitais Universitários que compõe o sistema federal do ensino superior brasileiro responsável pelo ensino, pesquisa e extensão com atendimento a milhões de brasileiros pobres todos os dias.
Os últimos doze anos de governo de coalizão com a direita liderado pelo PT, foram elaborados centralmente dois projetos para os hospitais universitários, primeiro foi o decreto do REUHF, cujo sua apresentação que consta na pagina virtual do Ministério da educação diz:
“O Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf) foi criado por meio do Decreto nº 7.082, de 27 de janeiro de 2010 e define diretrizes e objetivos para a reestruturação e revitalização dos hospitais universitários federais, integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo do programa é criar condições materiais e institucionais para que os hospitais possam desempenhar plenamente suas funções em relação às dimensões de ensino, pesquisa e extensão e de assistência à saúde da população”
No ano seguinte ( 2011) o governo sob protestos de Técnicos, docentes e estudantes aprova no congresso nacional a Lei que cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH. A propaganda oficial do governo e dos parlamentares da base governista que estavam a favor da EBSERH (Entre eles o Ex-Coord.Geral da FASUBRA pelo Coletivo Tribo, Dep. Fed. Marrone PT-RS) tinha o objetivo de convencer a todos que a empresa iria resolver os problemas crônicos encontrados nos Hospitais Universitários até então...
Segundo a página virtual da própria EBSERH, a rede de hospitais universitários federais é formada por 50 hospitais vinculados a 36 universidades federais. A Ebserh é responsável pela gestão com 33 hospitais universitários federais, em que suas respectivas universidades “optaram” por assinar contrato com a estatal.
Acontece que mesmo com as boas intenções que lemos no papel referente a apresentação do Reuhf, EBSERH como também do próprio programa de governo de Dilma, no mundo real as coisas são bem diferentes e a regra é o sofrimento e a agonia da saúde publica do pais.
Ajuste fiscal e o colapso da saúde pública.
O governo Dilma não ampliou o orçamento da saúde como estava nas suas promessas de campanha, a principal política do governo para a saúde federal esse ano foram pesados cortes nos recursos destinados para saúde e educação, o que jogou os Hospitais Universitários numa crise sem precedentes na historia com elementos de retrocesso em relação a conquistas sociais que envolvem o SUS. Diante da grave crise econômica mundial que afeta o país, as prioridades da equipe econômica do governo é aplicar um brutal ajuste fiscal para garantir o pagamento dos juros da divida publica com o objetivo de garantir o bom gerenciamento dos negócios do capital. Enquanto os Hospitais vivem em agonia e a população pobre fica desassistida, o lucro dos bancos bateram recordes. Somados, os ganhos dos quatro maiores bancos cresceram mais de 40% no primeiro semestre de 2015, na comparação com os primeiros seis meses de 2014. O Itaú teve lucro de 5,9 Bilhões no segundo trimestre de 2015, Bradesco teve lucro de 4,47 Bilhões e Santander de 1,6 Bi. (Fonte: Consultoria Economatica)
No primeiro ano do segundo governo de Dilma foi anunciado ainda no primeiro semestre de 2015 um corte no orçamento de 70 bilhões de reais. Os ministérios da educação e da saúde que são os responsáveis pelo financiamento e gestão dos Hospitais Universitários sofreram respectivamente cortes de 9,4 bi e 11,8 bi. Se já havia uma crise nos HUs, agora após a aplicação do ajuste os hospitais universitários estão em situação de calamidade publica.
FASUBRA organiza seminário nacional para discutir a crise dos HUs.
O seminário Nacional sobre Hospitais Universitários, organizado pela FASUBRA em novembro de 2015, contou com a participação de trabalhadores em hospitais de dezenas de universidades federais e os relatos foram dramáticos e chocantes. A conclusão geral do seminário constatou que as IFES que entregaram seus hospitais a EBSERH não obtiveram mudanças de qualidade como prometiam os defensores da empresa. Na verdade a crise se aprofundou!
A Coordenadora do SINTUFECE, Keila Camelo, que também é funcionaria do Hospital Universitário da UFCE que já aderiu a EBSERH denuncia:
“O principal exemplo é do Hospital Universitário Walter Cantídio, no Ceará: a direção informou por meio de nota que a partir do dia 30 novembro o hospital começou a reduzir progressivamente o tratamento de pacientes. Essa medida esta sendo aplicada aos leitos, às salas cirúrgicas, às novas consultas e aos exames complementares numa redução que chegará a 50% de toda assistência aos pacientes do SUS. A direção do hospital suspendeu os transplantes de rim, pâncreas, fígado e transplante de medula óssea. Como se não bastasse, a Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, também administrada pela EBSERH, suspendeu todas as cirurgias eletivas de alta complexidade”.
A representação do SINDTEST-PR denuncia que no Hospital de Clinicas da UFPR após a assinatura do contrato com a EBSERH que se deu com muita repressão contra técnicos, estudantes e professores, problemas graves se aprofundaram como assedio moral, perseguição e proibição das atividades sindicais dentro do hospital, falta de insumos e materiais básicos para atender a população. Além do atraso constante dos salários e ameaças de demissão dos trabalhadores terceirizados!
A representação do SINTFUB denuncia os maus tratos contra os trabalhadores terceirizados bem como o fechamento da UTI adulta no final de ano de 2015 logo num período onde mais aumenta a demanda por esses serviços...
Representantes do SINTUFEPE denunciam que desde dezembro de 2013, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) é responsável pela administração do hospital. No entanto, a nova forma de gerir a unidade não tem conseguido sanar a situação de falta de material para os profissionais de saúde trabalharem. No início de 2015, residentes de todas as áreas prepararam uma carta em que relatam a situação precária do HC e encaminharam a demanda ao Ministério Público Federal.
Esses são alguns relatos da situação de hospitais universitários que já aderiram a EBSERH, que são confirmados por vários outros, como também são reforçados pelas denuncias dos representantes dos trabalhadores dos Hospitais Universitários do Rio de Janeiro que ainda não aderiram a EBSERH e que se encontram totalmente abandonados pelo governo federal. No Rio, a crise explodiu no final do ano de 2015 no qual o governo do estado do Rio de Janeiro declarou estado de emergência por conta da situação de colapso que chegou a saúde publica nesse estado tanto nos hospitais estaduais como federais. As cenas de descaso com a população e pessoas morrendo na porta dos hospitais sem atendimento foram um escândalo nacional obrigando o governo Dilma a ter que improvisar um gabinete de emergência para tentar resolver a crise que manchava a imagem da cidade que é o maior cartão postal do país e que será sede das olimpíadas.
GOVERNO PROPÕE MAIS IMPOSTOS COMO SAÍDA PARA CRISE DA SAÚDE.
Segundo as palavras do jornalista Ricardo Boechat, no Jornal da BAND do dia 21 de dezembro de 2015, diante da crise da saúde no Rio de Janeiro:
“ Há muito tempo a população brasileira vem pagando um preço muito alto pelo caos crônico da saúde publica no país inteiro. Agora, com a tal da crise, os governantes encontraram um álibi, uma desculpa que vale pra tudo! Não pagar fornecedores, atrasar salários, suspender contratos, suspender contratações, deixando uma situação que já era deplorável atingir um nível de calamidade publica como esse. O argumento é sempre o mesmo: A crise! Cadê o dinheiro dos impostos? Experimente você não pagar o imposto no fim do mês, não pagar o IPTU que veio com razoáveis majorações em todo país... Experimenta você não pagar o IPVA do seu carro, não pagar o imposto de renda... Que Mané de crise é essa que agora tudo virou um caos absoluto de cima a baixo especialmente nas áreas de atendimento popular sob o argumento de que não há dinheiro. E o dinheiro que há? Onde está sendo colocado?”
Em setembro de 2015, o governo federal anunciou como parte do pacote de maldades ( ajuste fiscal) o envio da PEC que recria a CPMF ( criada no governo do tucano FHC), além disso na reforma ministerial, o PT cedeu ao PMDB o ministério da saúde, no qual tomou posse o Dep. Federal Marcelo Castro do PMDB do Piauí. O novo ministro no dia de sua posse defendeu a CPMF permanente com bitributação com recursos para saúde tanto para estados como para municípios. A CPMF foi alvo de forte oposição da bancada parlamentar do PT quando os tucanos governavam o país na década de 90, e agora o governo comandado pelo PT/PMDB ao invés de suspender o pagamento da divida ou taxar as grandes fortunas, quer esfolar ainda mais o povo brasileiro com impostos que para nada garantem o retorno em benefícios sociais para atender as demandas dos trabalhadores. Principalmente num governo onde o “modus operantis” assumido pelo PT e aliados é o desvio de recursos públicos para financiamento de campanhas eleitorais com o objetivo de permanecer a qualquer custo no poder do país.
Não podemos esperar nada do governo Dilma que durante a eleição presidencial propôs como plano de governo aumentar para 10% do orçamento da união os recursos para saúde, e uma vez eleita sob o signo da “patria educadora” corta verbas substanciais da saúde e educação para atender os interesses do sistema financeiro internacional. Muito menos podemos esperar qualquer iniciativa do congresso nacional (na qual a maioria dos parlamentares foram financiados por mega empresários) e jamais irão votar qualquer medida que aumente a qualidade e amplie o acesso da população ao SUS. É preciso organizar a resistência, sem ilusões com o governo federal, governos estaduais e congresso nacional.
A FASUBRA está convocando um ato nacional em defesa dos HUs no dia 24/02 e, além disso, 2016 promete ser um ano de grandes embates contra os ataques do governo a saúde publica e contra a EBSERH que tem aprofundado o caos nos Hospitais Universitários. Os sindicatos filiados a FASUBRA em conjunto com outros sindicatos e movimentos sociais precisam desde já organizar a luta em defesa da saúde publica desse país tão necessária para o atendimento da população pobre e trabalhadora.
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*Gibran Jordão é Coord. Geral da FASUBRA e membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
Artigo publicado originalmente pela ASUNIRIO.